A supremacia do homem no reino animal em que se
integra, num mundo planetário, entre outros mundos, não totalmente conhecidos,
revela uma situação privilegiada que nenhum outro ser, pelo menos ao nível dos
actuais conhecimentos, dispõe nas mesmas condições, precisamente porque o homem
está dotado de capacidades únicas, difíceis de identificar, cientificamente,
noutras espécies.
Pensar, construir abstratamente, realizar
concretamente, num espaço e num tempo, prever resultados, inovar, vivenciar
sentimentos e experiências emocionalmente sentidos em si próprio, com algum
conhecimento de causa, projetar-se idealmente no futuro, no tempo e na
transcendência espiritual, pela fé e pela crença, mais ou menos profundas,
revelam faculdades exclusivas que o orientam e dão sentido à sua vida.
Faculdades excecionais que tornam o homem único e superior.
Estas faculdades inatas, específicas do ser humano,
como que poderiam ser encimadas pela dimensão religiosa, que, em
situações-limite, se revela na maioria dos seres humanos. A visão do mundo
planetário e a constituição do universo não estão, suficientemente, explicados.
Sente-se a necessidade do recurso à projeção para lá do infinito, no sentido de
se encontrar uma explicação para o destino final da vida espiritual de cada
pessoa.
A ciência não responde a esta questão, que se torna
angustiante quando o homem se aproxima do seu fim físico; a técnica não
produziu, ainda, equipamentos, instrumentos, tecnologias e recursos para a
componente espiritual se preparar para uma outra existência, seja extra-corpo
e/ou intra-outro corpo, pela via de uma possível reintegração (reencarnação)
nesse outro novo ser, ao nível da espécie humana.
Que fazer, então, com o espírito humano? Quem, como
e quando se trata da preparação do espírito, já que cientifico-tecnicamente não
se afigura viável? A resposta parece difícil para muitos daqueles que apenas
consideram o materialismo corporal do homem.
Os que não acreditam na componente espiritual, na
possibilidade de uma outra existência inefável, imaterial, transcendental e
eterna, vão acabar os seus dias, enquanto conscientes, com uma profunda
frustração, porque para eles será mesmo o fim.
Como alimentar a componente espiritual poderia ser
o problema, não o é, todavia, para os crentes numa outra vida, através das
práticas e sentimentos religiosos. Então a religião poderá, entre outras,
eventualmente possíveis, ser a solução para uma vida feliz e em paz.
Preparar o espírito humano para uma vida
transcendente, num tempo e um espaço que, fisicamente, se ignora, pressupõe
sentimentos e atitudes que o ser humano, consciente e crente, sente e pratica
pela religião, esta considerada como: “Um
sistema de símbolos que funcionam para estabelecer disposições de espírito,
fortes, persuasivas e duradouras e motivações nos homens, formulando conceitos
de ordem geral da existência e revestindo esses conceitos com uma tal aura de
realidade que as disposições de espírito e as motivações parecem mesmo
realistas.” (GEETZ, in HOBEL & FROST, 1976:353-53).
A perspectiva antropológica do conceito religião
não indica qual o destino do espírito, nem como prepará-lo para uma outra
existência extra-corpo físico. Igualmente se verifica quanto ao comportamento
do crente, suas atitudes face à divindade em que acredita.
Os valores que, antropologicamente, são
considerados característicos das atitudes do crente – submissão e reverência –,
em nada diminuem a dignidade da pessoa humana total, integralmente considerada:
corpo e espírito, bem pelo contrário, elevam o crente a um estatuto supra
técnico-científico e, consequentemente, à sua própria felicidade, tal como a
deseja na vida física e para além desta.
A submissão respeitosa, voluntária e sempre
disponível para com Deus, constitui uma faculdade que, eventualmente, não está
acessível aos não-crentes e, por outro lado, a reverência que é devida aos entes
sobrenaturais e divinos, na circunstância, Deus, também em nada diminui a
pessoa humana, fisicamente considerada, na medida em que se reverencia o que se
respeita, ama e adora, passando esse ente divino a fazer parte da constituição
religiosa do ser humano crente e temente.
A tranquilidade que o espírito submisso e reverente
para com o Deus em que acredita, proporciona, constitui um excelente processo
para se chegar à felicidade e à paz, porque se o espírito não está amargurado,
arrependido e triste, porque ele tem a consciência dos deveres cumpridos para
com o seu Deus e, por extensão analógica, para com o seu próximo e igual,
considerado este criado à imagem e semelhança de Deus, então a felicidade e a
paz são possíveis porque, competentemente, se desenvolveram as atitudes
adequadas: submissão e reverência, ambas com dignidade e convicção.
Bibliografia
HOEBEL E. Adamson e
FROST, Everett L. (1995) Antropologia
Cultural e Social, Trad. Euclides Carneiro da Silva, 10ª Ed. São Paulo:
Cultrix
O Presidente
da Direção da ARPCA,
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo