Em tudo na vida há
limites, fronteiras ou, dito de outra maneira, há (deveria haver) princípios,
valores e sentimentos que, numa sociedade civilizada, respeitadora dos mais
elementares direitos jurídico-constitucionais, ético-morais e sócio-humanos,
devem ser religiosamente observados, sejam quais forem as circunstâncias.
Nada é mais
importante do que a dignidade da pessoa humana, a sua inviolabilidade, no que
respeita à sua integridade físico-psíquica e espiritual, à propriedade privada,
legítima e legalmente conseguida e também o direito à honra, bom-nome,
reputação, prestígio e estabilidade económico-financeira.
O mundo moderno,
povoado por grupos tão heterogéneos quanto complexos, busca um novo rumo, através
e com a intervenção das pessoas: umas, com mais poder, nas diferentes áreas de
domínio: económico, financeiro, empresarial, laboral, político, religioso;
outras, com uma fraca influência, porém, a convergência para a justiça social,
para a paz, tranquilidade e bem-estar dos povos, parece difícil, não obstante
os veementes apelos, proferidos pelas personalidades mais influentes, em todo o
universo habitado.
A esperança é a
última ideia a morrer, e ainda bem que assim, e porque, como refere o adágio
popular: “Enquanto há vida, há esperança”.
Vive-se, portanto, no otimismo moderado e realista, na expectativa de melhores
dias, o que não significa, nem é incompatível com o facto circunstancial da
existência de graves e profundas crises, não só económica, financeira, laboral
e social, mas também, com idêntica gravidade e preocupação, a crise de valores,
de sentimentos e afetos, a incentivada crise intergeracional, promovida e
exacerbada por gerações de decisores que nunca teriam passado dificuldades na
vida, sempre envolvidas por “almofadas” de superproteção familiar e de amigos.
Vive-se o drama da
geração sénior, tão atacada por decisores que já têm o futuro praticamente
garantido e que, salvaguardando, precisamente, os seus bons postos de trabalho,
impõem medidas de austeridade, que ultrapassam os limites do respeito pela
dignidade dos mais velhos, por aqueles que, de alguma forma, contribuíram para
que os titulares dos atuais poderes: económico, financeiro e político, estejam
de tal maneira posicionados que, é caso para se poder pensar: “Não se olha a
meios para se atingir fins”, mesmo que tais objetivos humilhem, ultrajem e
violem os mais elementares direitos da dignidade da pessoa humana.
A violência com que
se está a interferir na já pouca estabilidade sócio-económica dos mais idosos,
que integram uma classe social que já deu tudo ao país e ao mundo, os
reformados e pensionistas, não parece ter paralelo na História da Democracia.
Na verdade: «Este grupo tem sido
duramente atingido nos últimos tempos no nosso país. É um grupo que já não tem
hipóteses de encontrar novo rumo na vida. Há limites de dignidade que não podem
ser ultrapassados.» (Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República de
Portugal, in Jornal das Oito, 14 de Maio de 2013, TVI).
Quando o mais alto
magistrado da Nação assim se pronuncia, publicamente, para o seu povo, parece
que é tempo dos decisores políticos e financeiros refletirem no alcance de tal
“aviso”, de “meterem a mão na consciência”
e reverem suas posições economicistas, que agravam o sofrimento de quem tudo
lhes deu.
A ingratidão, a
insensibilidade, a frieza com que parecem agir, em nome de alegadas
convergências, de pseudo-igualdades, da propalada estabilidade e crescimento
económico e da subserviência à sacralidade dos mercados, não justificam toda a violência
que as medidas tomadas, e as que ainda querem impor, comportam em si mesmas.
Os salários, as
reformas e pensões, bem com os direitos sociais, constitucional e legalmente
instituídos, aprovados pelos legítimos representantes do povo, e dos povos de
todo o mundo, que estão representados nas várias instâncias internacionais:
parlamentos nacionais, europeus e Nações Unidas, não podem ser retirados,
porque eles são: não só, as conquistas das liberdades democráticas e do
trabalho das pessoas; como também são uma propriedade privada, intocável; constituem
o sangue “sagrado” de quem trabalhou uma vida inteira; de quem cumpriu com todos os seus deveres,
sociais, contributivos fiscais e até solidários.
Acredita-se, e
confia-se, que os especialistas e dirigentes responsáveis saberão encontrar
outras fontes de financiamento do Estado, para superação da crise, desde logo
se tiverem a preocupação, honestidade intelectual e moral de analisarem “a
própria casa”, isto é: os gastos, por vezes sumptuosos que a máquina estatal comporta,
porque haverá, certamente, muitas despesas supérfluas, de mera ostentação e
luxuosa grandeza, que em anda contribuem para o equilíbrio das finanças
públicas.
Naturalmente que
não se deseja um Estado miserabilista, somítico, que tenha de recusar receber
bem quem o ajuda, mas que, justamente, não pode, e não deve, gastar em
vaidades, em manifestações de falso “riquismo”. O Estado, tal como qualquer
pessoa, família e instituição, não pode envolver-se em eventos, projetos e
gastos para os quais não tem capacidade financeira, até sob pena de os credores
interpretarem de forma pouco favorável a aplicação dos valores que são
emprestados. A humildade da nossa existência real é a credibilidade que
justifica a nossa honestidade, um Estado considerado “pessoa-de-bem”.
O Estado, pela
intervenção de alguns dos seus governantes, democraticamente eleitos, outros
nomeados, estes nem sequer respondem perante o povo, tem a obrigação
ético-moral de dar os bons exemplos de uma governação justa, parcimoniosa,
rigorosa, com transparência e lealdade, para só depois exigir dos seus
concidadãos, a quota-parte de participação na resolução dos problemas do país.
O Estado tem imensos recursos patrimoniais que pode alienar, alguns destes até
estarão a dar despesa, nomeadamente de conservação.
Se é certo que
quando uma pessoa não tem capacidade económico-financeira, para pagar as suas
contribuições, taxas, impostos, derramas, sobretaxas e outros instrumentos
fiscais e de coação, vê o seu património confiscado, então o Estado, que tem pecúlio,
deve declará-lo e disponibilizá-lo aos seus credores, em vez de subtrair os
rendimentos do trabalho dos cidadãos, mesmo que tais proventos resultem de
heranças ou da sorte.
É curioso verificar
que, por exemplo, em relação à sorte, quase se pode afirmar que, em certas
circunstâncias, qualquer dia não vale a pena ter sorte, porque esta também paga
imposto, e, se o montante for superior a um determinado valor, até pode ser
“confiscado”, todavia, se o jogador tem azar, o Estado não o ajuda a suportar o
prejuízo. Poder-se-ía pensar que o Estado tem dois pesos e duas medidas, que é
profundamente parcial, porém, quase sempre a seu favor.
Vive-se um período
que, em algumas situações, talvez se possa comparar à “Dignidade Ultrajada”,
onde se têm vindo a ignorar os mais arcaicos valores do respeito, da
consideração e da proteção dos mais velhos, daqueles que, apesar das alegadas
crises, alguns ainda conseguem “apertar mais o cinto”, precisamente para
fazerem alguma poupança, na ordem dos vinte por cento, segundo fontes oficiais,
para assim se precaverem quanto ao seu próprio futuro, dos seus familiares e de
algum amigo, mas cuidado, porque se as poupanças ultrapassarem um determinado
limite, já ninguém garante que fiquem seguras, salvaguardadas dos famigerados
impostos e crises frequentes.
É tempo de se
apelar de que “não vale tudo” e muito menos que se venha, quase
sub-repticiamente, retirando os “sacrossantos” salários, reformas e pensões. É
tempo de alertar os responsáveis para a decência de uma sociedade, que tem o
direito de exigir respeito pela dignidade da pessoa humana, pelo seu
património, construído à custa de muito trabalho, poupança, sacrifícios,
sujeição a impostos enormes, tudo em nome de um futuro mais digno, mais
confortável.
É esta faixa da sociedade,
que atinge, em Portugal, mais de trinta por cento da população, representada
pelos seniores, que é necessário proteger, respeitar e valorizar porque,
afinal, são eles que já estão a substituir o Estado, amparando os filhos e os
netos, suportando alguns encargos destes familiares que não têm, ainda, a
certeza de um rumo seguro, um futuro promissor.
A dignidade da
pessoa humana não pode continuar a ser ultrajada, em nenhuma circunstância. “Não
vale tudo”, prezados concidadãos e responsáveis pelas decisões. Pratiquem a os
mais elementares valores humanos: solidariedade, amizade, lealdade,
consideração e respeito, pelo menos estes.
O Presidente da Direção
da ARPCA,
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo