A dificuldade em se definir, numa fórmula objetiva,
o que é a felicidade, parece, muito evidente; provar que a felicidade se pode
obter pela via religiosa é, epistemologicamente, muito complexo, o que não
invalida uma abordagem séria, responsável e respeitosa, justamente, com o objetivo
de, no mínimo, incentivar todos os interessados, crentes e não-crentes, a
percorrer este longo caminho, tendo por veículo privilegiado a religião e, quem
sabe, se num determinado ponto do percurso, surjam indicações, e/ou sinais, que
apontem para uma situação que se possa equiparar a um estado de espírito, que
seja definível num conceito de felicidade.
O instrumento que, quantitativamente, indique o
valor da felicidade, por enquanto, não é conhecido, mesmo que fosse possível
enumerar os momentos, mais ou menos longos, intensos e profundos dessa
felicidade.
Em todo o caso e para facilidade de compreensão e,
entre inúmeras opiniões, aceite-se, como ponto de partida, que ser feliz
consiste: «Ter sensações de bem-estar e
prazer físico; poder manifestar alegria; ter tranquilidade de espírito; sentir
emoções agradáveis; desfrutar de coisas boas na vida; sentir-se valorizado,
aceito e amado; ter a sensação de utilidade; conseguir realizações na vida;
conversar agradavelmente com parentes e amigos, entre outras situações.”
(RESENDE, 2000:176-77).
Verifica-se que um dos fatores que intervém na
felicidade é, justamente, a tranquilidade de espírito ou, se se preferir, de
consciência que, de entre outros processos, se pode obter pela religião, com
toda a liturgia, rituais e crenças que a envolvem, o que não significa que o
não-crente, o religioso-não-praticante, não tenham, em dados períodos das suas
vidas, momentos de tranquilidade de espírito, de felicidade, conseguidos por
práticas adequadas, que conduzem àquela situação de calma espiritual, de
consciência serena e boa condição física.
A religião é, naturalmente, vivenciada pelo homem e
pela sociedade, através de processos e reações diferentes, mas que têm em comum
uma relação com Algo Transcendente.
Por muito santificado e/ou divinizado que se
pretenda ver um outro homem, nosso semelhante, e existindo concreta e
fisicamente a relação que com ele se estabelece, esta não configura,
necessariamente, uma dimensão religiosa, apesar de nessa relação se colocar
crença, respeito e uma ligação mística.
A elevação e a fé, que se colocam na relação
transcendente do espírito com Deus e com o mundo inefável, é que podem assumir
a dimensão única da religiosidade dessa relação porque: «De facto, o espírito humano penetra tudo no homem, unifica e dá a
dimensão humana a tudo e portanto tudo no homem deve ser orientado segundo os
valores mais altos do espírito.» (SILVA, 1966:192).
As sociedades atuais também se organizam com objetivos
religiosos, tal como na perspetiva política, económica, social, cívica e
outras. A sociedade religiosa existe em todos os países e, enquanto tal,
desenvolve as atividades que, espiritualmente, lhe são próprias e que, também
por esta via, pretende obter a felicidade e a paz em determinadas épocas da sua
história, quando a maioria dos seus elementos manifesta os sintomas antes
referidos, dos quais, e para esta reflexão, importa destacar a tranquilidade do
espírito. Acredita-se que um espírito/consciência tranquilo tem mais
clarividência para analisar e decidir acerca de situações difíceis, no homem e
na sociedade.
Delineados os mecanismos para melhorar e/ou manter
a felicidade e a paz humanas, através do espírito religioso e do bem-comum
ético-religioso, abre-se a possibilidade de, com competência, desenvolver
estratégias que conduzam o espírito/consciência a uma sensação real, sentida e
vivida de felicidade e de paz.
Nesta perspectiva é possível tentar ser-se
competente na busca da felicidade e da paz, podendo-se começar pela satisfação
de necessidades de ordem material até se chegar às de natureza axiológica,
consubstanciadas nos valores da estima, da solidariedade, da lealdade, do amor,
da oração, porque: «Satisfazer as
necessidades é adquirir condições para ser feliz (…) através do desenvolvimento
das competências essenciais – intelectuais, espiritual, emocional e física (…).
Mais objectivamente: se pode ficar espiritualmente mais optimista, mais de bem
com a vida;» (RESENDE, 2000:178).
Bibliografia
RESENDE, Enio, (2000).
O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda
para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark.
SILVA, António da, S.J.
(1966). Filosofia Social, Évora:
Instituto de Estudos Superiores de Évora.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
(Presidente da Direção
da ARPCA, em Exercício)