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domingo, 2 de junho de 2013

Defesa da Economia Familiar


Ainda que, eventualmente, em algumas culturas e mentalidades, excessivamente focadas num elevado desprendimento material, a verdade é que, atualmente, tal como no passado, é impossível viver-se sem a componente monetária, independentemente da sua proveniência, sendo certo que, na esmagadora maioria das pessoas, ela resulta do trabalho, admitindo-se que toda a gente teria este bem essencial e, noutras situações, o rendimento poderá ter a sua origem em reformas, pensões, subsídios diversos, lucros, heranças, entre outras fontes possíveis, para custear a sobrevivência de cada cidadão.
Indiscutivelmente que a saúde é uma condição indispensável à vida e, à volta dela, se idealizam e executam os mais fantásticos projetos que: uns, acabam por ter sucesso; outros, ficam pelo caminho e, outros, ainda, conduzem ao fracasso. Também é verdade que para o exercício de muitas atividades, importa mais a saúde mental do que a física, noutras, todavia, é esta última que determina o desenvolvimento de uma profissão. Em todo o caso, sempre é necessário estar-se na posse de uma boa saúde, para se poder viver com algum conforto e esperança de vida.
E se a saúde é condição fundamental, para se viver com alguma qualidade de vida, segue-se-lhe o trabalho como um outro fator, que até pode ser complementar, mas que, sem o qual: é muito difícil a realização individual das pessoas; a manutenção de uma existência verdadeiramente humana; a proteção do indivíduo, da família e o desenvolvimento sustentável da sociedade. Pelo trabalho a pessoa se engrandece e se dignifica, independentemente da sua faixa etária, estatuto e convicções diversas.
As pessoas planificam e projetam para o futuro as suas vidas, quantas vezes, também, das famílias e até, ainda que parcialmente, dos amigos. Ao longo da vida ativa, exerce-se uma atividade profissional remunerada, cuja duração e condições foram fixadas no início, através de um contrato de trabalho ou documento equivalente, no qual se articulam deveres e direitos, que é subscrito pela entidade empregadora e pelo trabalhador, sendo legítimo, justo e legal que as partes exijam o cumprimento do clausulado que, livremente e de boa-fé assinaram.
A partir do momento em que o trabalhador entra em atividade, nos termos do que ficou acordado com a entidade empregadora, as partes ficam obrigadas a cumprir com as normas fixadas no contrato e, desde logo, o empregado começa a receber o salário estabelecido, com o qual vai administrar a sua vida e a da família e/ou dependentes. Trata-se de um valor que será referência para os seus projetos de vida: quer enquanto estiver no ativo; quer na situação de reforma ou pensão.
Para qualquer pessoa que vive do rendimento do trabalho, que se comprometeu a cumprir com todos os seus deveres, certamente, tem toda a legitimidade, que a legislação que suportou a sua contratação, deve ser cumprida, rigorosamente, e que é perfeitamente justo que reivindique, sempre, os seus direitos e, nesta perspectiva, o seu projeto de vida deve ser concretizado, quer no ativo, quer na reforma, considerando-se que toda e qualquer alteração das normas contratualizadas, promulgadas à revelia do trabalhador, unilateralmente e em seu prejuízo, é uma violação inaceitável dos seus mais elementares direitos, designadamente, horários, redução de salários e pensões, aumento de descontos e de enormes impostos. Não será justo, nem legítimo e, provavelmente, não será legal que se modifique o que estava estabelecido entre as partes.
O trabalhador e, mais tarde, o reformado/pensionista, “formatou” o seu projeto de vida em função de um contrato que estabeleceu, de boa-fé, com uma entidade empregadora, pública ou privada. Construiu a sua economia com base num salário, depois numa reforma/pensão. Adotou um determinado nível de vida.
Assumiu compromissos, por exemplo: um plano de seguro de vida e proteção na doença; aquisição da sua própria habitação; um projeto de estudos e de formação, para ele e seus familiares; um plano alimentar saudável; períodos de férias e de lazer, em função dos rendimentos e, no último terço da sua vida, o descanso merecido, confortável e digno.
Durante uma vida de trabalho ativo, o empregado construiu o seu edifício económico para, na velhice, ter o justo e merecido bem-estar, a todos os níveis, porque: «1. As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social; 2. A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural, tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade.» (CRP, 2004:40, Artº 72º).
Sem grande dificuldade infere-se, portanto, que os rendimentos auferidos ao longo da vida, enquanto trabalhador ativo e depois na situação de reforma/pensão, suportam uma economia individual e/ou familiar que, em circunstância alguma pode ser prejudicada, até porque tudo o que o trabalhador conseguiu e o que virá a obter, por força das participações/contribuições que fez durante a sua vida contributiva é seu: por direito próprio; por lei que então lhe foi aplicada e que ele cumpriu, não podendo haver lugar a alterações que lhe sejam desfavoráveis aliás, nunca se aplica uma lei retroativamente, quando ela é menos favorável às pessoas.
A maioria das pessoas vive dos seus salários, reformas e pensões. As suas economias constroem-se e consolidam-se a partir daqueles rendimentos. Tudo funciona à volta das receitas que se auferem com o exercício de uma atividade profissional e é sabido que: «Em geral, sem suficientes recursos económicos, a convivência com a família e os amigos fica dificultada, o acesso a bens de cultura e educação fica condicionado, a oportunidade para o divertimento, as viagens e as férias fica comprometida – o trabalho perde significado.» (CUNHA, et. al, 2010:627).
O motor para o desenvolvimento e progresso da sociedade poderá verificar-se se forem respeitados os deveres e direitos das partes intervenientes – empregadores/empregados que, em parceria leal, cumprem integralmente os acordos que subscrevem.
A vertente económica vai-se construindo e consolidando, quanto mais e melhor for a produção e quanto maior for o poder de compra dos trabalhadores, porque é com os seus salários, que devem ser justos e pagos atempadamente, que eles adquirem os bens necessários a uma vida estável e condigna.
O empobrecimento dos trabalhadores conduz, inevitavelmente, à falência das empresas, do próprio Estado, da sociedade em geral e, eventualmente, vai enriquecer quem menos precisa e que em nada contribui para a sustentabilidade de uma pessoa, família, grupo e comunidade, com nível e qualidade de vida, e a dignidade que é devida e exigida para com toda a pessoa humana. A mão-de-obra barata, o desemprego, as enormes cargas fiscais, obviamente, conduzem à miséria, à fome e ao suicídio.
Cada vez mais se impõe uma política de salários e reformas/pensões ao nível das exigências da vida moderna, no quadro de uma sociedade exigente, esclarecida e que tem direito a melhores condições de existência digna. A competitividade das instituições, públicas e privadas, não se faz com baixos salários, muito menos com redução dos mesmos: «Com efeito os baixos salários são uma fraca fonte de vantagem competitiva. É mais prudente seguir outras estratégias de vantagem competitiva, como qualidade mais elevada, conhecimentos únicos, inovação de serviço, produto ou processo.» (Ibid.:635).
Identicamente se pode pensar em relação aos reformados/pensionistas que, ao lhes serem reduzidos os seus rendimentos, a respetiva economia familiar sofre perdas que afetam o poder de compra deste estrato da população, que é cada vez mais significativo, quer em qualidade, quer em quantidade.
Verifica-se, atualmente, que é este grupo etário que até já vem suportando parte dos encargos familiares, que não auferem rendimentos suficientes para a sua subsistência. É esta parcela da população que está a substituir o Estado, funcionando como se fosse uma Instituição de Solidariedade Social e Caridade para a família desprotegida, amigos e vizinhos.
Por outro lado, cada vez mais se recorre aos reformados/pensionistas para, de alguma forma, colmatar a miséria em que milhares de famílias estão a sobreviver, e se ainda continuam a sofrer reduções nos rendimentos, para os quais descontaram uma vida inteira, com a agravante de lhes serem aplicados impostos brutais, então o futuro destas sociedades está condenado à mais completa indigência, ao extermínio dos mais fracos, fragilizados e vulneráveis.
Acresce, também, o imperativo do cumprimento dos deveres e direitos, que no início de uma carreira profissional, foram estabelecidos entre as partes, não sendo legítimo, nem justo e, falta saber se, constitucionalmente legal, seja possível alterar as regras a meio da vida e/ou quase no fim da existência das pessoas, precisamente quando elas mais precisam dos seus rendimentos. Exige-se, por isso, o respeito pela dignidade das pessoas em geral e dos mais velhos em particular.
A remuneração, reforma ou pensão são, portanto, instrumentos que possibilitam um nível de vida relativamente adequado às necessidades da pessoa humana, que fortalece a dignidade que lhe é devida, inclusive à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proporciona maior auto-estima, consoante o valor que a pessoa recebe.
Concordando-se, ou não, pode-se aceitar que: «Embora a maioria das pessoas não trabalhe apenas pelo dinheiro, não é possível viver sem ele. Para além da satisfação das necessidades materiais o dinheiro é um instrumento de satisfação de necessidades sociais, uma fonte de prestígio e de status, e um sinal de reconhecimento que a organização presta à pessoa. O salário (reforma e pensão) ([i]) é também uma forma de a organização retribuir à sociedade e à comunidade o que esta lhe presta. É devido a essa lógica de cidadania que, por vezes, se argumenta que uma organização tem a responsabilidade social de pagar aos seus membros o salário mais alto que lhe for comportável.» (Ibid.:682).

Bibliografia

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (2004), Versão de 2004. Porto: Porto Editora.
CUNHA, Miguel Pina, et al., (2010). Manual de Gestão de Pessoas e do Capital Humano. 2ª Edição. Lisboa: Edições Sílabo, Ldª.

O Presidente da Direção da ARPCA,

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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([i]) Sublinhado da responsabilidade do autor