A organização social, qualquer que ela seja,
implica a existência de relações entre os elementos constituintes da
comunidade. O estudo de tais relações e a elaboração de leis universais, que
visam estabelecer regras e sanções, não é de fácil aplicação, porque as
ciências que investigam os seres humanos não atingem uma plena objetividade no
conceito paradigmático que se tem das ciências positivas.
Não se pode,
por falta de condições, estudar pessoas vivas como se estudam outros animais em
laboratório, porque o observador é, também ele, observado ou seja, é sujeito e
objeto do conhecimento, o que se agrava quando se estuda a própria sociedade em
que todos estão integrados e na qual interagem uns com os outros e com a
própria natureza.
As relações humanas quando potencializadas para a
resolução de problemas, para a convivência pacífica entre sociedades e
indivíduos, devem ser estimuladas e conduzidas no sentido de se obter: por um
lado, a maior objetividade possível; por outro, os melhores resultados coletivos.
Certamente que deve-se ter na devida conta o jogo de interesses que, individual
ou grupalmente, sempre existem nas sociedades.
Através do relacionamento humano entre os diversos
atores representativos dos interesses, é possível tentar aproximações,
esgotando todas as formas, processos e meios ao alcance dos intervenientes.
Igualmente se verifica que ao longo da história, em todas as sociedades,
ocorrem interesses antagónicos: guerra e paz; vida e morte; riqueza e pobreza;
saúde e doença; fome e abundância.
Quaisquer
que sejam as situações, sempre se encontram interesses em algumas delas, porque
a guerra pode beneficiar uns, como a paz beneficia outros (neste caso
defende-se que a paz beneficia todos); a riqueza proporciona domínio sobre os
pobres, os fracos e oprimidos e a pobreza pode possibilitar um maior estímulo
para quem tem o poder político, estabelecer regras e criar oportunidades para
um maior desenvolvimento (se não se deve condenar a riqueza; também se afirma
que não se defende a pobreza).
Entre outros critérios, podem-se estabelecer as
relações humanas, quanto ao seu início, imediatamente após o nascimento do
indivíduo, com o qual os seus progenitores ou educadores instituem relações afetivas,
que vão facilitar a integração da criança numa sociedade que lhe fixará
determinadas regras de conduta e transmitirá padrões de cultura e consequente
comportamento.
A convivência humana assente nas diversas formas de
relacionamento, reduz os perigos de uma solidão que, a todos os títulos, dificulta
o desenvolvimento e adequação do indivíduo à sociedade, e vai contra a sua
própria natureza social.
Na verdade: «O
isolacionismo, hoje, não é possível. Se devemos, de qualquer maneira,
sobreviver, está claro que sobreviveremos só como membros uns dos outros. (…)
Bem ou mal, esta na qual vivemos é a época do planejamento, da assistência
social, da propriedade comunal e, no plano internacional, das organizações
multinacionais. A capacidade do indivíduo de agir, e até de pensar, com uma
certa independência de seu ambiente social ou contrastando com ele, vai-se
reduzindo constantemente.
(…) Para o homem contemporâneo a redenção coincide com a sua capacidade
de não se transformar nesse momento em um indivíduo – (…) O conteúdo da sua
salvação com respeito à sociedade consiste, para o homem moderno, no descobrir
a si mesmo como pessoa que, deliberadamente, decide a favor de uma relação de
interdependência com os outros; sabedor de que a sua natureza já é a de fazê-lo
entrar em relação com os seus semelhantes…» (MONDIN, 1980:156).
O cidadão do
futuro que se deseja para este século, no quadro de uma cidadania de
responsabilidade, e a partir do espaço luso-brasileiro, deverá ancorar a sua
formação em valores, princípios e atitudes que privilegiem as várias dimensões
em análise, obviamente, sem prejuízo de outras que, entretanto, se mostrem
pertinentes. A dimensão social não pode, nem deve, ser ignorada, contudo, para
o seu êxito, é fundamental uma boa prática nas relações humanas entre cidadãos,
entre povos e nações.
Como em muitas outras dimensões humanas, a
complexidade do homem, quer na sua constituição físico-biológica, quer na sua
componente imaterial, não é compatível com quaisquer processos hereditários, no
que respeita à obtenção das melhores condições para um bom relacionamento
humano.
As características individuais para que socialmente
um indivíduo se possa relacionar com outros, têm de ser adquiridas,
trabalhadas, aperfeiçoadas ao longo da vida, pelo estudo, pela experiência, a
partir da compreensão dos problemas sociais e, sempre que possível, com a sua
participação na resolução dos mesmos, em função dos papéis que vai exercendo em
cada momento da sua existência.
Nesse sentido, defende-se uma preparação integral,
não só ao nível familiar, mas também e principalmente durante o processo
educativo. Hoje não basta ser-se um excelente técnico, especialista num
determinado domínio, porque o homem é muito mais do que isso.
O homem é um ser relacional, em convivência e
cumplicidade social com os outros, seus semelhantes, e numa direção que aponta,
também, para uma outra relação sobrenatural. Esta tese privilegia um cidadão do
compromisso, do diálogo, da interação a todos os níveis, da cooperação, do
relacionamento total, aberto e descomplexado, um cidadão de entrega e de
voluntariado ativo.
O cidadão comprometido com a sociedade,
preparar-se-á o mais cedo possível, com o melhor nível de relacionamento
pessoal, seja numa perspectiva meramente comunicacional, seja do ponto de vista
de uma amizade comprometida com objetivos do fortalecimento de relações humanas
consolidadas, e sempre renovadas, no sentido da maior sinceridade e lealdade,
também em ordem à cooperação entre pessoas, setores, comunidades e
civilizações.
A sociedade humana moderna e global não pode adiar por
mais tempo estes desideratos, sob pena de caminhar para a desumanização e
selvajaria totais. No mundo moderno é de absoluta necessidade a incrementação
de uma cultura da solidariedade, da afeição, da lealdade, da estima, da dádiva
e da fraternidade.
O mundo do século XXI, só pode caminhar para uma
reformulação de atitudes pessoais e coletivas, para uma nova ordem
internacional que dê primazia aos valores e princípios verdadeiramente humanos,
a partir das relações sadias e construtivas que se pretendem entre os homens.
Discutem-se valores desde sempre considerados universais e que decorridos os
séculos, hoje sente-se, talvez mais do que nunca, a necessidade de a partir
deles se construir e desenvolver relações pessoais e sociais.
Com efeito, parece que: «É geral, e certamente unânime, o apoio que, em silêncio, recebemos das
multidões, em toda a parte, os personagens, gestos e episódios que encarnam
tais valores como a solidariedade humana, o espírito de justiça, a lealdade, a
dignidade, o respeito à vida alheia, o jogo limpo, o culto à arte, a fé.
Sabemos que o que se tem como erro, ou anti-valor, no caso, pode ocorrer e
ocorre com frequência. Entendemos a incidência do mal. Mas estamos todos de
acordo em que o bem deve prevalecer e em que, de modo geral, possa consistir o
bem.» (REIS, 1978:114).
Naturalmente que se compreende muito bem a
dificuldade de se atingir um patamar de perfeição, nas relações entre pessoas
todas diferentes, todas complexas, todas com pontos de vista e interesses
relativizáveis, umas em relação às outras, todavia, se se partir da aceitação
desta pluralidade de comportamentos, atitudes, sentimentos, aspirações e
individualidades, com o objetivo de melhorar a interação humana, seguramente
que dentro de algumas décadas viver-se-á numa sociedade mais fraterna, porque
mais tolerante, porque mais compreensiva e porque mais cooperante, enfim,
porque melhor preparada.
Hoje, já ninguém duvida das potencialidades do
diálogo, do debate franco e aberto, da conjugação de esforços no sentido da
implementação de uma estratégia das sinergias, em ordem a uma melhor conjugação
das boas-vontades e das competências individuais e dos grupos porque,
isoladamente, é cada vez mais difícil, ou mesmo impossível, o homem resolver as
complicadas situações que o mundo moderno lhe vem colocando.
Quaisquer que sejam as possíveis técnicas de
relações humanas, incluindo aquelas que do ponto de vista comercial são mais
utilizadas, algumas com uma agressividade chocante, verifica-se que nenhuma
funciona em absoluto, isto por vários motivos: o ser humano é, por natureza,
composto de contradições devidas à sua própria constituição psico-fisico-social,
porque é difícil prever o comportamento ou a reação que perante determinados
estímulos se produzirão e, mais preocupante do que isto, se reage sempre de
igual forma a estímulos idênticos.
Esta imprevisibilidade da natureza humana, pode ser
atenuada se, desde a mais tenra idade, se incutir uma dinâmica de cultura de
valores. Além dos valores já referidos, é importante para um bom relacionamento
humano a amizade, que em certas culturas, povos e territórios pode assumir
diversas formas e designações, acabando por se institucionalizar.
Na verdade: «Apesar
do valor que damos à amizade, o nosso tipo de sociedade contudo nunca se institucionalizou
completamente. No entanto, em muitas regiões de África, assim como num certo
número de ilhas do Pacífico Sul e noutras partes do mundo primitivo, as
maneiras de tratar com os amigos são sistematicamente regulamentadas não
aparentadas duma sociedade.» (TITIEV, 1963: 262).
Ao defender-se o valor da amizade, esta entendida
no seu sentido mais verdadeiro e profundo, como um instrumento de grande
eficácia na melhoria das relações humanas, pretende-se com isso incrementar uma
nova atitude entre os homens, começando, desde logo, por evitar críticas
destrutivas que, para além de nada resolverem, se tornam perniciosas e afetam a
auto-estima e personalidade dos
indivíduos visados. A crítica destrutiva é uma atitude imprudente e que, em
certas situações, pode causar sequelas irreparáveis.
O que se defende como sendo muito mais cordato é
tentar compreender as pessoas, procurando descobrir os motivos pelos quais agem
de determinadas formas. Nesta postura pode-se demonstrar toda a simpatia,
tolerância e generosidade e, se houver razões para tal, deve-se usar do elogio
sincero e amigo, porque será o melhor incentivo e prova de admiração que se
pode dar a alguém.
Quando se é
sincero nas apreciações, certamente que as pessoas modificarão os seus
comportamentos, saberão respeitar e colaborar em projetos de vária natureza e
dimensão na educação para a cidadania e respeito pelos direitos humanos. A
sinceridade implica consideração, lealdade, reciprocidade e estima.
Urge pois implementar uma educação de relações humanas,
baseada em regras e códigos de conduta ético-morais, começando-se desde já por
evitar toda e qualquer contradição relativamente a sentimentos, valores e
gostos alheios. É importante ter sempre presente que toda e qualquer pessoa não
só tem direito à dignidade, como a usufruir dos seus gostos. Incluir-se-ia aqui
uma espécie de ciência para a vida quotidiana, sustentada por uma educação
cuidada e no exercício das boas maneiras com o melhor requinte possível.
As boas maneiras, aprendidas ou inatas, tornam a
vida mais fácil, seja no trabalho, na família, na associação ou em quaisquer
outras circunstâncias da existência. Em cada dia que passa, sempre há a
oportunidade de mostrar que é possível ser-se, sinceramente, amável e
solidário. São atitudes que não empobrece quem as pratica, mas satisfazem a
quem as recebe.
Muito embora se desconheçam receitas infalíveis
para manter um bom relacionamento, não se deve ignorar que existem princípios
que, pelo menos, podem proporcionar um bom início de relacionamento, quando uma
das partes manifesta abertura, respeito, estima e admiração pela outra: «Diz um provérbio antigo e verdadeiro que com
uma gota de mel se apanham mais moscas do que com uma gota de fel. O mesmo se
dá com os homens. Se pensar conquistar um homem para a sua causa, convença-o
primeiro de que o estima sinceramente. Nisto há uma gota de mel que lhe chega
ao coração, o qual, digam o que disserem, é o caminho mais certo para chegar à
razão.» (STEED, s.d: 31).
Bibliografia
MONDIN, Battista, (1980). O Homem quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, Trad. R.
Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari; revisão de Danilo Morales, 3ª Ed., São Paulo:
Edições Paulinas. (Colecção Filosofia 1)
REIS, Sólon Borges dos,
(1978). A Crise Contemporânea da Educação,
São Paulo: Centro do Professorado Paulista.
STEED, William
B. (Dir.), (s.d.). Curso de Relações Humanas: Conversação
eficiente e desenvolvimento da personalidade, Lisboa: Instituto Latino de Relações Humanas (Fascículo
3:34)
TITIEV,
Misha (1963). Introdução à Antropologia Cultural, Trad. João Pereira Neto,
Prefácio de A. Jorge Dias, 6ª. Ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
O Presidente da Direção
da ARPCA,
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
E-mail:
arpcaminha@gmail.com
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