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domingo, 4 de agosto de 2013

Relações Humanas


A organização social, qualquer que ela seja, implica a existência de relações entre os elementos constituintes da comunidade. O estudo de tais relações e a elaboração de leis universais, que visam estabelecer regras e sanções, não é de fácil aplicação, porque as ciências que investigam os seres humanos não atingem uma plena objetividade no conceito paradigmático que se tem das ciências positivas.
 Não se pode, por falta de condições, estudar pessoas vivas como se estudam outros animais em laboratório, porque o observador é, também ele, observado ou seja, é sujeito e objeto do conhecimento, o que se agrava quando se estuda a própria sociedade em que todos estão integrados e na qual interagem uns com os outros e com a própria natureza.
As relações humanas quando potencializadas para a resolução de problemas, para a convivência pacífica entre sociedades e indivíduos, devem ser estimuladas e conduzidas no sentido de se obter: por um lado, a maior objetividade possível; por outro, os melhores resultados coletivos. Certamente que deve-se ter na devida conta o jogo de interesses que, individual ou grupalmente, sempre existem nas sociedades.
Através do relacionamento humano entre os diversos atores representativos dos interesses, é possível tentar aproximações, esgotando todas as formas, processos e meios ao alcance dos intervenientes. Igualmente se verifica que ao longo da história, em todas as sociedades, ocorrem interesses antagónicos: guerra e paz; vida e morte; riqueza e pobreza; saúde e doença; fome e abundância.
 Quaisquer que sejam as situações, sempre se encontram interesses em algumas delas, porque a guerra pode beneficiar uns, como a paz beneficia outros (neste caso defende-se que a paz beneficia todos); a riqueza proporciona domínio sobre os pobres, os fracos e oprimidos e a pobreza pode possibilitar um maior estímulo para quem tem o poder político, estabelecer regras e criar oportunidades para um maior desenvolvimento (se não se deve condenar a riqueza; também se afirma que não se defende a pobreza).
Entre outros critérios, podem-se estabelecer as relações humanas, quanto ao seu início, imediatamente após o nascimento do indivíduo, com o qual os seus progenitores ou educadores instituem relações afetivas, que vão facilitar a integração da criança numa sociedade que lhe fixará determinadas regras de conduta e transmitirá padrões de cultura e consequente comportamento.
A convivência humana assente nas diversas formas de relacionamento, reduz os perigos de uma solidão que, a todos os títulos, dificulta o desenvolvimento e adequação do indivíduo à sociedade, e vai contra a sua própria natureza social.
Na verdade: «O isolacionismo, hoje, não é possível. Se devemos, de qualquer maneira, sobreviver, está claro que sobreviveremos só como membros uns dos outros. (…) Bem ou mal, esta na qual vivemos é a época do planejamento, da assistência social, da propriedade comunal e, no plano internacional, das organizações multinacionais. A capacidade do indivíduo de agir, e até de pensar, com uma certa independência de seu ambiente social ou contrastando com ele, vai-se reduzindo constantemente.
(…) Para o homem contemporâneo a redenção coincide com a sua capacidade de não se transformar nesse momento em um indivíduo – (…) O conteúdo da sua salvação com respeito à sociedade consiste, para o homem moderno, no descobrir a si mesmo como pessoa que, deliberadamente, decide a favor de uma relação de interdependência com os outros; sabedor de que a sua natureza já é a de fazê-lo entrar em relação com os seus semelhantes…» (MONDIN, 1980:156).
O cidadão do futuro que se deseja para este século, no quadro de uma cidadania de responsabilidade, e a partir do espaço luso-brasileiro, deverá ancorar a sua formação em valores, princípios e atitudes que privilegiem as várias dimensões em análise, obviamente, sem prejuízo de outras que, entretanto, se mostrem pertinentes. A dimensão social não pode, nem deve, ser ignorada, contudo, para o seu êxito, é fundamental uma boa prática nas relações humanas entre cidadãos, entre povos e nações.
Como em muitas outras dimensões humanas, a complexidade do homem, quer na sua constituição físico-biológica, quer na sua componente imaterial, não é compatível com quaisquer processos hereditários, no que respeita à obtenção das melhores condições para um bom relacionamento humano.
As características individuais para que socialmente um indivíduo se possa relacionar com outros, têm de ser adquiridas, trabalhadas, aperfeiçoadas ao longo da vida, pelo estudo, pela experiência, a partir da compreensão dos problemas sociais e, sempre que possível, com a sua participação na resolução dos mesmos, em função dos papéis que vai exercendo em cada momento da sua existência.
Nesse sentido, defende-se uma preparação integral, não só ao nível familiar, mas também e principalmente durante o processo educativo. Hoje não basta ser-se um excelente técnico, especialista num determinado domínio, porque o homem é muito mais do que isso.
O homem é um ser relacional, em convivência e cumplicidade social com os outros, seus semelhantes, e numa direção que aponta, também, para uma outra relação sobrenatural. Esta tese privilegia um cidadão do compromisso, do diálogo, da interação a todos os níveis, da cooperação, do relacionamento total, aberto e descomplexado, um cidadão de entrega e de voluntariado ativo.
O cidadão comprometido com a sociedade, preparar-se-á o mais cedo possível, com o melhor nível de relacionamento pessoal, seja numa perspectiva meramente comunicacional, seja do ponto de vista de uma amizade comprometida com objetivos do fortalecimento de relações humanas consolidadas, e sempre renovadas, no sentido da maior sinceridade e lealdade, também em ordem à cooperação entre pessoas, setores, comunidades e civilizações.
A sociedade humana moderna e global não pode adiar por mais tempo estes desideratos, sob pena de caminhar para a desumanização e selvajaria totais. No mundo moderno é de absoluta necessidade a incrementação de uma cultura da solidariedade, da afeição, da lealdade, da estima, da dádiva e da fraternidade.
O mundo do século XXI, só pode caminhar para uma reformulação de atitudes pessoais e coletivas, para uma nova ordem internacional que dê primazia aos valores e princípios verdadeiramente humanos, a partir das relações sadias e construtivas que se pretendem entre os homens. Discutem-se valores desde sempre considerados universais e que decorridos os séculos, hoje sente-se, talvez mais do que nunca, a necessidade de a partir deles se construir e desenvolver relações pessoais e sociais.
Com efeito, parece que: «É geral, e certamente unânime, o apoio que, em silêncio, recebemos das multidões, em toda a parte, os personagens, gestos e episódios que encarnam tais valores como a solidariedade humana, o espírito de justiça, a lealdade, a dignidade, o respeito à vida alheia, o jogo limpo, o culto à arte, a fé. Sabemos que o que se tem como erro, ou anti-valor, no caso, pode ocorrer e ocorre com frequência. Entendemos a incidência do mal. Mas estamos todos de acordo em que o bem deve prevalecer e em que, de modo geral, possa consistir o bem.» (REIS, 1978:114).
Naturalmente que se compreende muito bem a dificuldade de se atingir um patamar de perfeição, nas relações entre pessoas todas diferentes, todas complexas, todas com pontos de vista e interesses relativizáveis, umas em relação às outras, todavia, se se partir da aceitação desta pluralidade de comportamentos, atitudes, sentimentos, aspirações e individualidades, com o objetivo de melhorar a interação humana, seguramente que dentro de algumas décadas viver-se-á numa sociedade mais fraterna, porque mais tolerante, porque mais compreensiva e porque mais cooperante, enfim, porque melhor preparada.
Hoje, já ninguém duvida das potencialidades do diálogo, do debate franco e aberto, da conjugação de esforços no sentido da implementação de uma estratégia das sinergias, em ordem a uma melhor conjugação das boas-vontades e das competências individuais e dos grupos porque, isoladamente, é cada vez mais difícil, ou mesmo impossível, o homem resolver as complicadas situações que o mundo moderno lhe vem colocando.
Quaisquer que sejam as possíveis técnicas de relações humanas, incluindo aquelas que do ponto de vista comercial são mais utilizadas, algumas com uma agressividade chocante, verifica-se que nenhuma funciona em absoluto, isto por vários motivos: o ser humano é, por natureza, composto de contradições devidas à sua própria constituição psico-fisico-social, porque é difícil prever o comportamento ou a reação que perante determinados estímulos se produzirão e, mais preocupante do que isto, se reage sempre de igual forma a estímulos idênticos.
Esta imprevisibilidade da natureza humana, pode ser atenuada se, desde a mais tenra idade, se incutir uma dinâmica de cultura de valores. Além dos valores já referidos, é importante para um bom relacionamento humano a amizade, que em certas culturas, povos e territórios pode assumir diversas formas e designações, acabando por se institucionalizar.
Na verdade: «Apesar do valor que damos à amizade, o nosso tipo de sociedade contudo nunca se institucionalizou completamente. No entanto, em muitas regiões de África, assim como num certo número de ilhas do Pacífico Sul e noutras partes do mundo primitivo, as maneiras de tratar com os amigos são sistematicamente regulamentadas não aparentadas duma sociedade.» (TITIEV, 1963: 262).
Ao defender-se o valor da amizade, esta entendida no seu sentido mais verdadeiro e profundo, como um instrumento de grande eficácia na melhoria das relações humanas, pretende-se com isso incrementar uma nova atitude entre os homens, começando, desde logo, por evitar críticas destrutivas que, para além de nada resolverem, se tornam perniciosas e afetam a auto-estima  e personalidade dos indivíduos visados. A crítica destrutiva é uma atitude imprudente e que, em certas situações, pode causar sequelas irreparáveis.
O que se defende como sendo muito mais cordato é tentar compreender as pessoas, procurando descobrir os motivos pelos quais agem de determinadas formas. Nesta postura pode-se demonstrar toda a simpatia, tolerância e generosidade e, se houver razões para tal, deve-se usar do elogio sincero e amigo, porque será o melhor incentivo e prova de admiração que se pode dar a alguém.
 Quando se é sincero nas apreciações, certamente que as pessoas modificarão os seus comportamentos, saberão respeitar e colaborar em projetos de vária natureza e dimensão na educação para a cidadania e respeito pelos direitos humanos. A sinceridade implica consideração, lealdade, reciprocidade e estima.
Urge pois implementar uma educação de relações humanas, baseada em regras e códigos de conduta ético-morais, começando-se desde já por evitar toda e qualquer contradição relativamente a sentimentos, valores e gostos alheios. É importante ter sempre presente que toda e qualquer pessoa não só tem direito à dignidade, como a usufruir dos seus gostos. Incluir-se-ia aqui uma espécie de ciência para a vida quotidiana, sustentada por uma educação cuidada e no exercício das boas maneiras com o melhor requinte possível.
As boas maneiras, aprendidas ou inatas, tornam a vida mais fácil, seja no trabalho, na família, na associação ou em quaisquer outras circunstâncias da existência. Em cada dia que passa, sempre há a oportunidade de mostrar que é possível ser-se, sinceramente, amável e solidário. São atitudes que não empobrece quem as pratica, mas satisfazem a quem as recebe.
Muito embora se desconheçam receitas infalíveis para manter um bom relacionamento, não se deve ignorar que existem princípios que, pelo menos, podem proporcionar um bom início de relacionamento, quando uma das partes manifesta abertura, respeito, estima e admiração pela outra: «Diz um provérbio antigo e verdadeiro que com uma gota de mel se apanham mais moscas do que com uma gota de fel. O mesmo se dá com os homens. Se pensar conquistar um homem para a sua causa, convença-o primeiro de que o estima sinceramente. Nisto há uma gota de mel que lhe chega ao coração, o qual, digam o que disserem, é o caminho mais certo para chegar à razão.» (STEED, s.d: 31).

Bibliografia

MONDIN, Battista, (1980). O Homem quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, Trad. R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari; revisão de Danilo Morales, 3ª Ed., São Paulo: Edições Paulinas. (Colecção Filosofia 1)
REIS, Sólon Borges dos, (1978). A Crise Contemporânea da Educação, São Paulo: Centro do Professorado Paulista.
STEED, William B. (Dir.), (s.d.). Curso de Relações Humanas: Conversação eficiente e desenvolvimento da personalidade, Lisboa: Instituto Latino de Relações Humanas (Fascículo 3:34)
TITIEV, Misha (1963). Introdução à Antropologia Cultural, Trad. João Pereira Neto, Prefácio de A. Jorge Dias, 6ª. Ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

O Presidente da Direção da ARPCA,

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

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