Qualquer pessoa, ao longo da sua vida, exerce
diversos mandatos, seja de natureza obrigatória, no desempenho de uma atividade
profissional, seja através do cumprimento de funções cívicas, políticas,
religiosas, em regime de voluntariado, quantas vezes, a título gracioso e,
neste caso, apenas existe, eventualmente, algum tipo de retribuição monetária e
possíveis benefícios de ordem social, com objetivos de estímulo e também
reconhecimento pela dedicação generosa, a uma causa, a um serviço público ou
privado, em favor da sociedade e do bem comum.
O voluntariado, em Portugal, está regulamentado por
legislação específica, na qual se estabelecem obrigações e incentivos para os
participantes, incluindo, em algumas entidades e serviços, o cumprimento de horários
e a responsabilização pela prática de quaisquer infrações, porque o facto de se
ser voluntário, em qualquer tipo de intervenção, não significa que deixe de
haver o cumprimento de normas, princípios e valores, pelo contrário, o
voluntariado envolve a pessoa num estatuto, que sendo reconhecido como muito
importante e necessário, exige um certo nível de boas práticas humanistas, e
não só.
A Lei N. 71/98 de 3 de
Novembro, que estabelece as Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado,
determina no seu articulado o seguinte: «O voluntário é o
indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de
acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar acções de
voluntariado no âmbito de uma organização promotora.» Artº 3º nº 1) e,
mais à frente: «O Estado reconhece o
valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania
activa e solidária e promove e garante a sua autonomia e pluralismo.» (Artº
5º).
O ser humano, apreciado
em todas as suas capacidades, pode-se considerar como vivendo em grande
liberdade, e só não será total porque há fenómenos naturais e, eventualmente,
sobrenaturais que ele não prevê, nem domina, todavia, excetuando-se alguns
imponderáveis, ele é livre e, portanto, senhor dos seus atos voluntariamente
assumidos, embora, e em relação aos quais, tenha de arcar sempre com as
possíveis consequências, quando elas ocorrem.
Assim, ao aceitar
desempenhar determinados cargos, a que correspondem o exercício de funções
inerentes, a pessoa investida em tais tarefas, tem conhecimento que esta
decisão implica um compromisso, por um certo tempo, em condições previamente
estabelecidas, sendo de esperar que, em circunstâncias normais, nomeadamente as
que vivia aquando da aceitação do cargo, irá desenvolver a respetiva atividade,
até ao final do período fixado para o exercício das funções que lhe são
atribuídas.
Mas a vida está
repleta de imponderáveis. Ninguém pode utilizar a palavra “Nunca”, isto é:
nunca serei isto; nunca farei aquilo; nunca aceitarei tal atividade; nunca
estarei doente; nunca deixarei de viver e de estar bem na vida; nunca
precisarei de alguém. A palavra “nunca”, os sentimentos e atitudes que ela
envolve, constituem um grande risco para o nosso comportamento, para a palavra
dada, para a assunção de compromissos e as responsabilidades intrínsecas.
Poucas são as
situações em que se utiliza a palavra “Nunca”, aceitando-se, todavia, a título
de exemplo que, talvez se possa afirmar: “eu nunca mais voltarei a nascer”,
porém e ainda assim, com alguma reserva mental, quanto a tal afirmação,
considerando-se uma análise em várias perspetivas: biológica, religiosa,
filosófica e metafísica.
Portanto, o melhor
será mesmo evitar a palavra “Nunca” e, no limite, mandam o bom-senso e a prudência
que, possivelmente, apenas seja cordato e revelando alguma humildade,
afirmar-se que: “nunca saberei tudo”. Aqui, e talvez noutras circunstâncias,
haja alguma justificação para o uso deste vocábulo que, apesar de tudo e por
vezes, nos pode atraiçoar.
Com um tal
princípio, então será lícito afirmar-se que é impossível garantir que alguém
consiga cumprir, integralmente, os seus compromissos, justamente porque é muito
provável que situações imprevistas venham a impedir o cumprimento da palavra
dada, obviamente aqui no âmbito do “Mandato”, e/ou a aconselhar a mudança de
atividade, funções e localização geográfica, para o exercício das respetivas
tarefas em novas funções, ou seja, toda a pessoa está sujeita aos imponderáveis
da vida.
É neste contexto, e
com esta lógica, que se afigura legal e legítimo que qualquer detentor de um
cargo, uma profissão ou uma situação, para que voluntária, generosa e, quantas
vezes, graciosamente concorreu, tenha de cumprir até ao final o respetivo
mandato, ou seja, desde que nenhum imprevisto impeça o cumprimento integral das
funções que entretanto assumiu.
Ninguém pode ser
prejudicado na vida, só porque assumiu determinadas funções, então num quadro
diferente daquele que, posteriormente lhe surgiu, precisamente através de uma
oportunidade profissional, um negócio ou uma outra nova situação que, à
partida, se considera interessante para uma nova vida.
É certo que há
cargos públicos e/ou privados, cujas regalias, desde logo remuneratórias, são
de tal forma vantajosas, e mesmo, em alguns deles, extraordinárias, que os seus
titulares não os abandonam mas, se ainda assim se demitem deles é porque: ou,
entretanto, surgiram situações, impedimentos e dificuldades que obstaculizam a
continuação; ou, de facto, emergiu uma melhor oportunidade de vida; ou, uma
circunstância, imprevisível, como doença ou agravamento da mesma, acidente, complicação
judicial ou de qualquer outra natureza ou, finalmente, incompatibilidades
diversas que dificultam o pleno exercício do mandato.
Ora, como ninguém
pode prever qualquer uma daquelas situações, no momento em que se compromete
aceitar e desempenhar um determinado cargo, é compreensível que o respetivo
mandato não seja cumprido, o que não prejudica o órgão, na medida em que sempre
há suplentes e preceitos legais que superam os imponderáveis, além de que o
“Destino” não nos é revelado previamente.
Imagine-se, a
título de exemplo, que uma determinada pessoa aceitou candidatar-se a um cargo
político, associativo, empresarial, profissional ou religioso, em condições muito
específicas, designadamente, com garantia de meios, colaboradores e lealdade
institucional, mas que, rapidamente, após a assunção do cargo, as condições
iniciais se alteram, desfavoravelmente, que surge uma outra oportunidade de
vida, que se antevê para médio prazo que vão faltar apoios institucionais, que
a partir de outras entidades, supostamente imparciais, haverá tratamento
discriminatório negativo em relação à organização na qual estamos a exercer
funções. Nestas circunstâncias, a demissão do cargo é a atitude correta e que
dignifica quem assim procede.
Quando uma
instituição não depende apenas de si própria, mas está sujeita à colaboração de
outra/s, que lhe deve/m proporcionar apoios diversos: financeiros, técnicos e
humanos; ou quando os associados não cumprem as suas obrigações, deixando de
haver condições mínimas para o exercício do cargo, então é aconselhável o
afastamento, voluntário, dos principais dirigentes, até para criar uma nova
oportunidade para outros candidatos e/ou associados, poderem fazer mais e
melhor e, desta forma, não se prejudica a instituição e de quem dela depende.
Não se deve estar “agarrado” eternamente aos cargos.
Qualquer candidato,
a uma determinada função, juntamente com a sua equipa, apresenta ideias,
projetos e objetivos a alcançar, evidentemente, considerados razoáveis e
exequíveis, partindo do princípio de que terá o apoio institucional, legal e
legítimo dos organismos, instituições, associados e outros colaboradores.
Verificando-se que
os apoios que são devidos não surgem, ou que são atribuídos com parcialidade,
em relação a outras instituições idênticas, e nas mesmas circunstâncias e
condições legais, então só resta o abandono do referido cargo, porque não se
deve pactuar com a discriminação negativa.
Imagine-se, novamente,
com um exemplo mais concreto: uma associação que vive, praticamente, da
quotização dos seus sócios e de alguns subsídios legais a atribuir por outras
entidades e que: quer os sócios; quer as tais instituições, falham nas suas
obrigações e apoios, respetivamente; ou, ainda, que os dirigentes vêm a assumir
outras funções, noutras instituições e que mesmo não sendo incompatíveis, podem
prejudicar a associação, então, nestas circunstâncias, o dever dos dirigentes
ou do responsável envolvido em atividades diferentes, poderá optar pela
resignação do cargo que vinha desempenhando, abrindo caminho para uma melhor
compatibilização e harmonia com outros dirigentes. Os superiores interesses da
instituição devem ser salvaguardados.
É essencial que,
assumidas as funções para as quais se foi eleito democraticamente, e/ou nomeado
legalmente, se exerça o poder com total transparência, com um só peso e uma só
medida, para com todos os intervenientes. A partir do momento da tomada de
posse, passa-se à situação de representante daquele público-alvo que participou
no ato eleitoral.
É fundamental que
as instituições tenham conhecimento de como são distribuídos os recursos que,
afinal, provêm de todos os contribuintes. É uma questão de ética, isto é: que
todos sejam tratados com respeitabilidade, consideração e estima, porque só
assim se credibilizam as instituições, os seus titulares e os regimes,
beneficiando quem deles precisa.
O objetivo último
de qualquer instituição é servir bem o seu público-alvo, seja ele: associados,
acionistas, clientes, fornecedores, colaboradores, parceiros, cidadãos em
geral. A meta é proporcionar a todos as melhores condições de relacionamento,
satisfação das suas necessidades e uma vida social mais confortável e mais honrosa.
Em causa e em primeiro lugar está sempre a dignidade da pessoa humana.
Uma situação que,
igualmente, pode conduzir à cessação de um mandato, prende-se, por exemplo, com
a quebra de solidariedade entre os membros dos corpos sociais, a falta de
lealdade e assunção de compromissos assumidos perante os colegas e/ou os
associados, permanente desconfiança de um ou outro elemento de um órgão social
face a elementos de outros corpos sociais da mesma instituição. Nestas
circunstâncias, a renúncia ao cargo impõe-se como uma atitude de defesa da
dignidade pessoal, honra e bom-nome.
Quem não tiver as
condições mínimas para atingir os objetivos a que se propôs, verificadas que
estejam as impossibilidades que conduzem ao incumprimento das promessas, a
atitude correta, ética e digna é a demissão, sem mais delongas, sem mais
sacrifícios, sem humilhações e sem pactuar com situações consideradas injustas,
porque em bom rigor, o voluntariado não deve revestir qualquer tipo de
imposição mas, isso sim, deve assumir-se como missão, voluntariosa, dedicada e
generosa.
O Presidente da Direção da ARPCA,
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
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