A existência humana, num planeta que se integra num
universo ilimitado, na sua componente espiritual, continua sendo uma incógnita,
quer enquanto vida vivida, num espaço finito e num tempo determinado, quer
depois da morte biológica e consequente desaparecimento do corpo.
O homem, aqui na sua abrangência relativa à
humanidade, comportando igualmente e ao mesmo nível a mulher, continua sendo um
mistério para si próprio, porque não tem, ainda, a capacidade de prever,
controlar e resolver certas situações, designadamente no que se refere à sua
constituição imaterial, inefável, quantitativa e qualitativamente
indeterminada, embora tenha profundos conhecimentos no que respeita à sua
própria constituição física.
A indefinição, um certo vazio científico, para
alguns; para outros, um verdadeiro mistério, quando se tenta analisar a origem,
existência, fim e destino do espírito, ou da alma, ou da própria consciência,
ou ainda de qualquer outra designação que se possa atribuir.
Quando o homem se interroga, desde há milhares de
anos: “Quem sou? De onde venho? E para
onde vou? a frustração e a noção de incapacidade para responder àquelas, e
a outras questões, conduzem a uma certa angústia e quanto mais procura investigar,
aprofundar e tentar extrair conclusões, ele percebe quanto, nesta dimensão humana,
é insignificante, na medida em que verifica a sua impotência para se
esclarecer, sabendo, embora, que é um ser existencial.
Não será necessário, neste aspecto, enveredar por
uma metodologia cartesiana, da dúvida metódica, consubstanciada na máxima – Penso, logo existo (?)”.É nesta
existência, porém, que o homem progride, que livre e relativamente se
determina, para o bem e para o mal, no limite, determina-se pela
indeterminação. Com efeito, afirma MARTINS, (1961: 70): “Existencialmente o homem faz-se ao determinar-se livremente,
escolhendo na sua determinação individual a forma da sua própria essência; (…).
Somos aquilo que escolhemos ser. Mesmo quando nos revoltamos contra a
existência, escolhemos o ser revoltado. É a existência livremente assumida, o
ser pleno.”
Numa certa perspectiva, cada pessoa consciente
poderá ser aquilo que escolher, enquanto depende apenas da sua vontade, das
suas capacidades e dos recursos que estiverem ao seu dispor, contudo, muito
dificilmente atingirá resultados absolutos, principalmente no domínio da
essência e da imaterialidade de certas dimensões e situações. Não se vislumbra
qual a forma, o processo, os meios para se atingir a máxima felicidade, ou para
se alcançar, de forma consciente, o que está para além da morte física do
corpo.
Escolher ser, fisicamente, imortal, mesmo através
das mais modernas técnicas de embalsamento e conservação do corpo, poderá não
resultar objectivamente. Escolher ser, espiritualmente, imortal, desde logo ao
nível da própria identidade, será, eventualmente, melhor conseguido, todavia, a
imortalidade não é estabelecida pelo próprio que se pretende imortalizar, mas
terão de ser todas as gerações que se lhe seguirem, que mantenham actualizada e
viva tal situação, pela recordação permanente daquela identidade e dos seus
feitos, bons ou maus.
Mas o que verdadeiramente se torna angustiante é
esta ignorância total sobre o destino do espírito humano, porque
independentemente de quaisquer crenças, religiões e conhecimentos, poucas
pessoas acreditam na constituição humana, como sendo só matéria ou só espírito.
A posição, aparentemente, dominante, aponta para
esta dualidade: corpo (substância material); alma/espírito (substância
imaterial). Negar esta possível evidência, até poderá ser uma atitude cómoda.
Afinal, para que servem as preocupações metafísicas se elas não resolvem os
problemas concretos da humanidade terrena, poderão argumentar os defensores do
materialismo científico? A interrogação contrária, igualmente se pode formular,
ou seja, para que serve, neste mundo terreno, aceitar e defender a
materialidade do corpo, quando o mais importante é o destino do espírito?
Algumas certezas, que não precisam de ser
comprovadas cientificamente, podem aceitar-se como tais, nomeadamente, a que se
prende com a existência, e que ao escolher-se um percurso de vida, que ao longo
do mesmo não teve arrependimento de nenhum acto, atitude ou comportamento,
então a vida revelou-se com sentido, o qual é experimentado com prazer, pelo
próprio indivíduo.
É essencial identificar um sentido para a vida,
objectivos pelos quais se possa continuar a evoluir, mesmo tendo a consciência
de que jamais se alcançará a sabedoria absoluta, porque na verdade, segundo PIRES, (1999: 132) “O mundo é o palco da odisseia humana! Cada
um de nós representa o seu papel e, por humilde que seja, cada existência tem o
seu significado. Estamos sempre crescendo e, certamente, nos serão confiados
novos papéis, até nos tornarmos puros e sábios. (…) Durante o processo
evolutivo da consciência, superamos os instintos, conquistamos o livre arbítrio
e assumimos um grande desafio: alcançar a Espiritualidade Racional.”
Conduzir a vida por objectivos, materiais e
imateriais, poderá ser uma estratégia adequada à condição humana e que
satisfará, por outro lado, as exigências que a constituição dual do homem coloca
ao longo da vida. Objectivos materiais no campo da aquisição e fruição de bens
e serviços, que possibilitam uma existência compatível com a dignidade da
pessoa-humana, nomeadamente: o conforto físico, o bem-estar habitacional, o
trabalho bem remunerado, uma boa ocupação dos tempos livres e de lazer, através
da fruição e gozo do que mais se gosta, enfim, qualidade de vida. Outros
objectivos, nitidamente materiais, se poderiam convocar para um projecto de
vida, cabendo, porém, a cada um, lutar pelo que considera serem os melhores.
Também no quadro dos objectivos imateriais, a
selecção poderá ser difícil, porquanto neles pode interferir todo um conjunto
de valores, princípios e normas sociais que conduzem, no limite, a um objectivo
final, por exemplo, a felicidade, entendida como a satisfação pelo caminho
percorrido, ou uma certa paz interior, ou, ainda, a sensação permanente de
deveres ético-morais e cívicos cumpridos. Então, o objectivo último será de
natureza espiritual, assente numa felicidade construída ao longo de uma vida e,
nesse sentido e convocando novamente PIRES, (1999: 136) ele nos ensina que: “Como estamos sempre interpretando os nossos
prazeres e avaliando as nossas próprias condutas, a verdadeira felicidade está
centrada nos prazeres morais, na satisfação de poder olhar para trás e dizer:
foi muito difícil, exigiu grande sacrifício, deu muito trabalho, mas eu faria
tudo da mesma maneira, porque fiz com muito amor.”
Poderia parecer vulgar afirmar-se que uma outra
certeza é a morte. Não é assim tão banal quanto parece, na medida em que, a
maior parte das pessoas muito raramente pensa neste fenómeno inevitável, aliás,
algumas há que parece que jamais se extinguirão, que não vão morrer, considerando
um certo tipo de conduta que vão manifestando ao longo da vida.
A morte, aqui referida, é a morte física do corpo
humano, do seu desaparecimento concreto da face da terra, enquanto animado de
vida, movimento e comunicação, ainda que fosse possível conservar-se tal corpo
intacto, visível aos olhos de toda a gente, pelos processos de embalsamento.
Portanto a morte física é uma realidade que a todos acontece e aqui,
independentemente de quaisquer estatutos: social, profissional, económico,
político, religioso, etário, étnico ou outro. Se se pensasse na morte todos os
dias, possivelmente, o mundo estaria, hoje, bem melhor, talvez houvesse mais
solidariedade e paz.
A morte coloca um ponto final na vida: do rico e do
pobre; do poderoso e do fraco; do crente, do agnóstico e do ateu. Ninguém
escapa da morte física, de resto, na perspectiva de MARTINS, (1961: 162): “A certeza intuitiva da morte vem da
experiência mesma da vida, por mais paradoxal que isto pareça à primeira vista.
Vem da experiência de qualquer vida, em qualquer das suas fases, porque é um
elemento constitutivo da sua mesma estrutura. (…) Angústia, remorso, desejo,
temor, inquietação, nada importa para a vivência do acercamento da morte. (…)
Independentemente de todo o juízo de realidade ou de valor, impõe-se esta
vivência do diminuir da vida por viver, ou do acercamento da morte, como uma
realidade imediatamente perceptível.”
A vida humana joga-se, portanto, entre o nascer e o
morrer, período de duração indeterminada, durante o qual decorre toda uma existência,
com episódios diversos: uns, previsíveis; outros, não, mas que todos vão
contribuir para um balanço final que a própria pessoa fará, se tiver
oportunidade para isso, e de que resultará a sua satisfação, maior ou menor,
que permitirá um juízo ético-moral, relativamente a tudo quanto de bom, ou de
mal, tenha feito, mas que, em muitas circunstâncias, não vai permitir qualquer
reparação por danos causados seja a ela própria, seja a terceiros, o que, em
situações graves, pode proporcionar profundo arrependimento e, eventualmente,
algum desespero. O corolário lógico será, então, resolver em vida o que há para
resolver e pelas vias pacíficas.
Indiscutivelmente que todo o ser humano tem o seu
fim bem determinado, mas que não é do seu conhecimento, (talvez se possam
excluir aqui aquelas situações de suicídio consciente, eutanásia, condenação à
morte, em que o fim é fixado pelo próprio ou por um juiz, respectivamente),
admitindo-se que enquanto ele vive possa, ainda, ter tempo para alterar muitos
dos seus comportamentos anteriores, reparar, na medida do possível, o que fez
de errado.
Nesse sentido, o homem deve viver com fé, quer ao
nível espiritual, quer no âmbito da sua intervenção no mundo, acreditando e
demonstrando que tudo o que faz tem uma finalidade boa, um sentido concreto, um
objectivo real e até altruísta, revelando-se, também, fiel aos valores e
princípios. É necessário estar dotado de uma grande fé, quer para o êxito dos
projectos espirituais, quer na realização dos projectos materiais.
Esta fé não é quantificável, medida rigorosamente
com um qualquer instrumento de medida. Ela vai ser avaliada pela satisfação que
causa no próprio e por todos aqueles que beneficiaram das boas-acções,
boas-práticas, bons-projectos. Nesta perspectiva ROMERO, (1998: 310) esclarece
que: “Fé, fidelidade, confiança: são
manifestações de um mesmo fundo comum. A fé não é uma atitude que se manifesta
apenas perante o divino. Esta é propriamente a fé religiosa. Há também a fé
como atitude existencial básica. Em ambos os casos, há uma fidelidade a
princípios reitores que orientam e sustentam a vida da pessoa e há a plena
confiança na verdade destes princípios.”
Bibliografia
MARTINS, Diamantino, S.J., (1961). Mistério do Homem; Ser, Personalidade,
Imortalidade, Braga: Livraria Cruz.
PIRES, Wanderley Ribeiro,
(1999). Dos Reflexos à Reflexão. A Grande
Transformação no Relacionamento Humano, Campinas: Editora Komedi.
ROMERO, Emílio, (1998). As
Dimensões da Vida Humana: Existência
e Experiência, São José dos Campos: Novos Horizontes Editora.
O Presidente da ARPCA,
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
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