Desde tempos imemoriais que o poder religioso
exerce uma profunda influência nas pessoas em geral, e nos crentes em
particular e que, atravessando séculos e milénios, chega aos dias de hoje com
grande pujança e revelador de progressos significativos, nomeadamente, a sua
abertura às questões sociais, eventualmente, sem o dogmatismo tão acentuado,
como poderia ter ocorrido um pouco ao longo da Idade Média e, atualmente, em
consequência de posições radicais e fundamentalistas por parte de alguns
dignitários e de seus seguidores.
A verdade, porém, na maioria das grandes religiões,
é que estas desejam aprofundar o diálogo entre elas, justamente para se
encontrarem soluções para muitos problemas, especialmente os de natureza social
e humanitária, que continuam a atormentar a sociedade humana no seu todo.
Destacar o contributo positivo do poder religioso
não significa branquear situações que, no passado medieval, teriam ocorrido e,
eventualmente, ainda se verificam, num ou noutro ponto do mundo.
O importante, no atual contexto mundial é recolocar
este fenómeno humano no lugar que, por mérito próprio, lhe pertence, isto é, ao
nível dos mais altos poderes do Estado, porque se o poder espiritual da Igreja
tem servido para mediar conflitos, então, deve-se-lhe reconhecer tal influência
e capacidade em tudo o que respeita, por exemplo, ao reconhecimento inequívoco,
não envergonhado e o correspondente relevo temporal.
Em todo o cerimonial protocolar do Estado, até
porque, segundo o Santo Padre, João XXIII, na Encíclica “Pacem in Terris” 1963: «Entre
os direitos do homem, deve incluir-se, também a liberdade de prestar culto a
Deus de acordo com os retos ditames da própria consciência, e de professar a
religião, privada e publicamente.» (in BIGO & ÁVILA, 1983: 266).
Aceitando-se, num Estado de Direito Democrático, a
separação de poderes, desde logo o poder temporal do poder religioso, o Estado
e a Igreja, isso não significa que as duas instituições não possam e não devam
cooperar nos assuntos que afetam a população civil, esta composta por crentes e
não crentes, governados e governantes, bem pelo contrário, haverá matéria,
domínios, conhecimentos e experiências em que a Igreja já demonstrou estar
muito melhor preparada do que o poder laico.
É suficiente
invocar-se o trabalho desenvolvido em contextos e cenários desfavoráveis às
intervenções dos técnicos, onde as instituições religiosas do tipo Missões,
Misericórdias, Confrarias, Caritas, etc., têm revelado capacidades,
competências e sentimentos que não são muito comuns em algumas instituições
governamentais. Os valores religiosos da caridade, da compaixão, da tolerância,
da solidariedade, entre outros, têm aqui um sentido profundamente personalista
e universalista.
Ignorar a existência desta realidade milenar, para
fugir ao reconhecimento da existência, influência e imprescindibilidade da
religião, da Igreja e dos seus legítimos e legais dignitários, corresponde a
mentalidades e comportamentos que, definitivamente, optam pela via do confronto
verbal, físico, bélico, isto é: do poder do mais forte, materialmente
auto-considerado.
O mundo civilizado, moderado, tolerante, humanista,
personalista e pacífico, deve encaminhar-se para os seus valores tradicionais e
milenares, o mais antigo dos quais é, porventura, a Religião, com todos os seus
recursos, espirituais e materiais.
Esta é que é a realidade que a humanidade deve
entender, considerar e respeitar, porque o homem, além do corpo físico, tem
algo de muito mais específico, transcendente e sublime: tem uma alma, um
espírito, uma dimensão que é filha da divindade Deus, a Quem deve obediência,
respeito, veneração e amor.
O poder religioso, consubstanciado na fé, assume na
pessoa humana, a sua maior dimensão, pela qual, quando tudo falha na vida
material, o crente consegue ultrapassar e vencer situações que nem a ciência,
nem a técnica, nem a fortuna material conseguiram dominar. É este poder de
auto-convicção, de auto-estima e de auto-confiança que leva aos maiores
sucessos pessoais, independentemente da religião que se professa.
Com este poder é possível manter a dignidade, o
respeito e a determinação em prosseguir um caminho que conduz aos mais nobres e
sublimes objectivos: amor, felicidade e paz.
O ser humano que alcança estes valores, certamente
que fica dotado de um poder que nenhuma outra via lhe proporciona. O poder
religioso solidifica, quem o possui, nos sentimentos da confiança e da
esperança, sem os quais será difícil evoluir para uma sociedade verdadeiramente
humana, fundamentalmente, quando se perde o amor pelo Deus que tudo cria,
controla e extingue.
Será pela confiança em si e no seu Deus e pela
esperança que Ele incute, através do amor, que o homem alcançará a felicidade e
a paz, porque: «O verdadeiro e perfeito
amor se mostra nisto: que se tenha grande esperança e confiança em Deus; pois
só na confiança se sabe que há um amor verdadeiro e total, pois se alguém ama
outrem de todo o coração e com toda a perfeição, surge a confiança; pois tudo
quanto se ousa esperar de Deus, nele verdadeiramente se encontra e ainda mil vezes
mais.» (ECKHART, 1991: 119)
O poder que resulta da atitude religiosa, suportado
na confiança, na esperança e no amor, permite ao indivíduo humano e à
sociedade, a partir de uma vida dedicada, também aos valores religiosos,
alcançar situações de verdadeira paz, felicidade e realização plena, porque: «A religião está assim implicada no mais
íntimo da vida do espírito; mais ainda, é a plenitude da vida da pessoa,
colocada como está no termo mesmo de suas dimensões contemplativa e prática –
donde elas se conjugarem na atitude de reconhecimento, adoração e submissão à
Pessoa Divina, Causa primeira e Fim último do ser da pessoa e de todo o ser
criado.» (DERISI, 1977: 53).
Podem a
ciência, a técnica e todo o materialismo humano produzir os mais sofisticados
bens: dos supérfluos aos indispensáveis; da ostentação à miséria; do domínio à
subjugação, sem que isso signifique a resolução de todos os problemas ou o
agravamento dos mesmos, respetivamente.
A pessoa, a família, a sociedade que transportam
consigo confiança, esperança e amor, possuem um poder que nenhuma outra arma ou
sistema bélico conseguem destruir, porque aqueles sentimentos já são próprios
de um ser superiormente dotado, preparado para, mesmo no sofrimento e na
derrota materiais da vida físico-social, continuar a lutar pelo objetivo último
que se há-de concretizar numa vida espiritual repleta de certezas divinas, da
união a Deus, onde todos os sofrimentos, injustiças e humilhações cedem o lugar
a uma vida eterna tranquila, justa e digna.
É este poder que alimenta e dá coragem para
enfrentar, num mundo materializado, as dificuldades, os obstáculos, os ódios,
as vinganças e traições, que uma pequena minoria tenta impor à maioria generosa
e de boas pessoas.
É este poder
que resulta de uma confiança sem limites, de uma esperança sempre renovada e de
um amor cada vez mais consolidado, que permite que multidões anónimas,
periódica e ciclicamente, se dirijam aos lugares sagrados, justamente para
agradecer e pedir a Deus a satisfação de necessidades básicas: Graça Divina,
saúde, trabalho, amor, paz e felicidade.
Nenhum outro poder entusiasma e mobiliza tantas
pessoas como o poder de Deus, configurado na Religião que cada um abraça e
comunga, sempre com uma confiança e esperança renovadas, precisamente, no amor
ao seu Deus, porque: «A chave da
existência humana é o impulso religioso inato que brota da vida essencial
universal e a ela aspira retornar. Isso é verdade hoje e o tem sido através da
história humana. Os humanóides não se teriam tornado humanos sem a inteligência,
mas somente o sentimento religioso poderia tê-los capacitado a desenvolver a
inteligência e outras capacidades mentais ou espirituais associadas à nossa
espécie.» (IKEDA, 1982: 222).
Bibliografia
BIGO, Pierre, S.J., &
ÁVILA, Fernando Bastos, S.J., (1983). Fé
Cristã e Compromisso Social; Elementos para uma reflexão sobre a América Latina
à luz da Doutrina Social da Igreja, 2. Edição revista e aumentada, São
Paulo: Edições Paulinas.
DERISI, Octávio Nicolás, (1977). Valores Básicos para a Construção de uma
Sociedade Realmente Humana, Trad. Alfredo Augusto Rabello Leite, São Paulo:
Mundo Cultural.
ECKHART, Mestre, (1991). O Livro da Divina Consolação e outros textos
seletos, Trad. Raimundo
Vier, O.F.M. et al, 2ª Ed. Petrópolis: Vozes.
IKEDA, Daisaku, (1982). Vida:
Um Enigma, Uma Jóia Preciosa, Trad. Limeira Tejo Rio de Janeiro: Editora Record.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
(Presidente da Direção
da ARPCA)
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